Como fica a guarda e visita de menores em tempos de coronavírus?
Diante da pandemia do COVID-19 e da necessidade do isolamento social, diversas mudanças têm sido feitas na legislação brasileira com a intenção de adequar as atividades da vida cotidiana a essa nova realidade. E esta é a dinâmica do Direito: se adaptar às transformações sociais; afinal, é o Direito a forma mais eficaz do Estado em cumprir a importante função de organizar a vida em sociedade.
Cabe aqui destacar a frase de Maria Berenice Dias em que “a realidade sempre antecede o direito”. Sendo assim, em razão da situação excepcional que vivemos (considerando que a última pandemia semelhante aconteceu em 1918), somente após os casos concretos vividos pelas pessoas é que se poderá verificar como a lei já existente será aplicada ou se será necessária que uma nova lei possa abranger tais situações.
Embora nos últimos dias tenham sido editado um número quase incontável de medidas provisórias, decretos, portarias e outras leis que assustam, principalmente, os operadores do Direito, o cidadão comum também se vê desorientado sobre como proceder em casos que vão surgindo em razão da pandemia.
Nesse sentido é que trataremos aqui sobre a legislação de família, em específico acerca dos institutos da guarda e visita de menores.
Ao contrário de outros ramos do Direito como o Previdenciário e o Trabalho, que estão sendo diretamente afetados pela crise do Covid-19 com a edição de várias leis, tais institutos não foram alvo de transformações tão intensas, mas como já dito, cada caso concreto demanda uma análise minuciosa.
Imaginemos a seguinte situação: uma criança, filha de pais separados, teve a situação definida pelo juiz em que a mãe detém a guarda unilateral e o pai, por sua vez, o direito de visitas aos finais de semana. Contudo, diante da crise de saúde instaurada e da decretação pela OMS do quadro de pandemia, a mãe entendeu por bem restringir as visitas do pai diante da necessidade do isolamento social, situação esta que o pai não aceita, mesmo após as tentativas de acordo.
Como proceder?
Em primeiro lugar, é necessário reiterarmos que não estamos vivendo uma situação de normalidade. Vivemos um período de exceção, em que são impostas restrições de atividades a todas as pessoas, indistintamente.
Mesmo diante desta situação, existem princípios que devem se sobrepor a qualquer fato quando se trata de menores de idade, quais sejam, o princípio da proteção da criança e do adolescente, estampado no artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente e também o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto na Constituição Federal em seu artigo 226, cuja aplicabilidade no exemplo acima se verá logo adiante.
Voltando ao caso concreto em questão, é importante frisar que um bom acordo, uma boa conversa entre as partes envolvidas é sempre a melhor solução. A conciliação evita os desgastes emocionais que uma ação judicial deste tipo pode gerar entre os genitores e até mesmo para o menor envolvido.
Todavia, caso não seja possível a conciliação, como no exemplo comentado, faz-se necessário um pedido judicial, dentro do próprio processo em que foi fixada a guarda e visita, requerendo ao juiz a modulação dos efeitos da guarda, conforme previsão do artigo 1.586 do Código Civil.
Com esse pedido, torna-se possível suspender as visitas regulares ao menor, tendo em vista que a sua manutenção ensejará riscos à saúde da família dos genitores, bem como ao interesse público, uma vez que o potencial de disseminação do vírus é alto e os jovens e crianças não estão imunes dos efeitos graves da doença, como já orientado pela comunidade científica.
Nessa esteira, é possível verificar que além do interesse de preservação da saúde pública, também foram plenamente atendidos os princípios acima mencionados, quais sejam, o da proteção e do melhor interesse da criança e do adolescente, vez que a saúde, a integridade física e o bem-estar do menor foram colocados em primeiro lugar.
Por fim, para as famílias que têm vivido situação semelhante, resta ainda uma solução apontada pela tecnologia: as visitas virtuais! Diante de tantos aplicativos e recursos advindos da inovação tecnológica, onde distâncias são encurtadas por meio da Internet, as chamadas de vídeo, por exemplo, também são uma excelente estratégia para o que o pai ou mãe exerça o seu direito de cuidado para com o filho.
Assim, embora o enfrentamento ao coronavírus tenha sido penoso para toda a população mundial, temos vivido a experiência de como a manutenção de vínculos afetivos são arraigados à espécie humana e, principalmente, a estrutura familiar.
Por ser tão importante e tão delicada, é que devemos tratar tais conflitos oriundos desta “nova ordem” com a maior humanidade possível, priorizando sempre a resolução de modo pacífico, empático e solidário.
Referências:
Dias, Maria Berenice (2016). Manuel de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Vade Mecum Juspodivm: 2019. Salvador: Juspodvim, 5 ed., 2019.